Transformar um ego monstruoso em algo positivo
O Salvador sempre foi vaidoso. Muito vaidoso
Desde cedo que se tem em grande conta.
Os dentes do Salvador nasceram tarde. Muito tarde.
O primeiro veio aos 16 meses.
O Salvador só usava chucha para dormir. Mas na altura em que era suposto tirar-lha começou a ansiar sofregamente por ela e a querer andar a chuchar sempre e em todo o lado.
Levei-o à consulta de rotina dos 2 anos e meio e expliquei ao pediatra que a chucha se estava a tornar um problema. Pedi-lhe se ele não podia conversar com o Salvador, aproveitando ele ser um vaidosão para lhe falar dos malefícios da chupeta nos dentes.
A conversa foi mais ou menos assim:
- Então, Salvador, ouvi dizer que é o menino mais bonito da sua sala.
- É. Sou.
- Mas olha que vai deixar de ser...
- Porquê?
- Porque os meninos que usam chucha ficam com os dentes tortos; os dentes tortos são os dentes mais feios que existem e depois vai passar a ser um menino feio.
- Então... Vou ficar com os dentes feios?
- Os dentes mais feios de todos os meninos da sua sala.
A coisa ficou por aqui.
Saí, paguei e fomos para o carro.
Assim que se sentou, pediu a chucha e eu dei-lha.
- Mã?
- Sim Filho?
- Eu vai ficar feio por causa da chucha?
- Vais. Vais deixar de ser o menino mais bonito da sala e ter uns dentes muito, muito feios.
- Mã?
- Sim?
- Toma chucha e deita ela fora.
- Tens a certeza?
- Sim.
Peguei na chucha e, enquanto com uma mão abri a janela do carro, com a outra escondia-a no bolso, não fosse correr mal na hora de dormir.
Fingi que a atirava fora e disse-lhe:
- Já está, Salvador. Acabou-se a chucha.
- E eu vou ser bonito para sempre... - respondeu para o ar.
Chegámos a casa e deu a notícia ao Pai: já não usava chucha e ia ser bonito para sempre.
Nessa noite não a pediu.
Nem no dia seguinte na escola, nem na noite seguinte.
Duas noites depois acordou de madrugada e chamou-me:
- Mã, a chucha. Eu perdeu a chucha.... - explica-me ensonado.
- Não, Filho, não te lembras que já não usas chucha? - pergunto-lhe baixinho.
- Ah, pois é, pois é... - replica, acrescentando quase imperceptivelmente - E vou ser bonito para sempre...
... O que, aos meus olhos, será sempre verdade.