A pneumonia que lhe deu superpoderes
O mês de junho deste ano foi terrível. O Salvador andava constipado, ou com uma tosse esquisita, febres baixas que iam e vinham, e nada do que o alergologista ou o pediatra nos mandavam fazer resultava.
Para compor o ramalhete das desgraças, ele andava completamente elétrico, de estar fechado em casa há tanto tempo. E andava tão speedado que nem deu pelo móvel do corredor, tendo batido lá com o sobrolho. Resultado: uma brutal nódoa negra que lhe apanhou quase o olho todo. Só não foi pior porque, como já estamos habituados, fez logo umas sessões de gelo e, no pós-gelo, fez arnica.
Às páginas tantas, fartos de tudo, levamo-lo a uma urgência hospitalar onde o diagnóstico preliminar foi pneumonia.
Quanto ao olho, a médica fez questão de salientar o ótimo trabalho que tínhamos feito. Menos mal…
Enquanto esperávamos para que as análises ao sangue e o RX fossem feitos e viessem os resultados (que confirmariam o diagnóstico), foi-nos pedido que aguardássemos na segunda sala de espera da urgência pediátrica, porque não sabendo se a pneumonia seria ou não viral, seria melhor mantê-lo afastado de todas as outras crianças que ali estavam.
Explicamos-lhe porque não podia sair dali e ele, contra todas as expectativas, não só compreendeu a explicação como acatou as indicações da médica, não ultrapassando os limites da sala.
Era a primeira vez que ia fazer análises ao sangue e não sabíamos como iria reagir. Demos-lhe uma ideia, muito por alto, do que ia acontecer e as enfermeiras – espetaculares, benza-as Deus!!! – colaboraram em todas as nossas patranhas.
- Mãe? Vai doer?
- Sim, Filho, mas é só um bocadinho, para te porem uma borboleta no braço. Depois a borboleta vai ficar aí e as senhoras vão encher uns tubos com o teu sangue, para poderem ver se tens bichos no sangue ou não.
- Ah, as borboletas não magoam! – diz ele muito mais descansado.
A verdade é que, quando o picaram, ele olhou para nós com um olhar suplicante, eu e o Pai fizemos coro a «Vai passar, pronto, já está, já passou!!!» e ele, nunca tirando os olhos de nós, aguentou estoicamente, sem uma lágrima.
Como ele é mexido, as enfermeiras colocaram-lhe uma rede para que o cateter não saísse do lugar. Para o animar dissemos-lhe que agora sim, ele era mesmo um super-herói: não chorou, portou-se lindamente quando viu o sangue dele, e agora, de prémio, tinha uma teia de superpoderes do Homem-Aranha na mão.
Foi o suficiente para se esquecer dos incómodos de ter ali o cateter. Passou o tempo a fingir que era o Homem-Aranha e ia lançando a sua teia poderosa sobre nós.
Entretanto, um casal com um bebé parou na entrada da sala antes de entrar no gabinete médico, pois estavam à espera do pediatra.
Avisei o Salvador para ir para o outro lado da sala, uma vez que, apesar de estarmos a aguardar o resultado do RX, a pneumonia era uma certeza.
- Filho, vai ali para aquele lado.
- P’a quê?
- Para não pegares os teus bichos ao bebé.
- ‘Tou a ir!!!! E…. Mãe? E este dodói, não vou pegar-lhe? – pergunta apontando para o olho.
- Tens aí algum móvel no bolso?
- Não.
- Então de certeza que não lhe pegas esse dodói!
- Tu és tonta, Mãe!!!
Sim. Estávamos nas urgências.
Sim. Ele estava com uma pneumonia e com um olho à Belenenses.
Mas não fosse ele ser este miúdo cheio de energia e bem-disposto, o mais certo era ter de ficar internado… O que a pediatra rejeitou, uma vez que, apesar da infeção pulmonar ser grande, era controlável por antibiótico sem ser intravenoso… e ela não estava bem a ver como é que conseguiriam mantê-lo uma noite, quieto, ali no hospital.
Há feitios que vêm por bem….