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O meu filho dava um livro...

... e vários filmes!!! Num elenco de luxo, temos como protagonista Salvador, nascido a 28.04.2010, em cenários da vida quotidiana. Registado no nosso dia-a-dia, por isso aconselha-se alguma prudência quando imaginar as cenas descritas: são bem reais..

O meu filho dava um livro...

... e vários filmes!!! Num elenco de luxo, temos como protagonista Salvador, nascido a 28.04.2010, em cenários da vida quotidiana. Registado no nosso dia-a-dia, por isso aconselha-se alguma prudência quando imaginar as cenas descritas: são bem reais..

Machista de palmo e meio

Finalmente dei de mim. Quebrei. Tive uma branca.

 

Estava na escola do Salvador, a falar com a diretora do colégio, quando ela pede desculpa e atende o telefone.

Era um pai a reportar que o carro de alguém tinha descaído do parque e estava no meio da estrada do estacionamento do colégio.

Olhámos pela janela: o carro era meu.

 

Peguei no Salvador e saímos a correr, enquanto lhe explicava o que tinha acontecido.

 

Assim que pus o carro a trabalhar e saímos do colégio, começou a saga:

- Mãe, o que é tu num f'zeste?

- Esqueci-me de travar o carro, Salvador, e ele veio andando, devagarinho, e ficou ali no meio da estrada.

- Pois, se fosse o Salvador a não ter gravado o carro, tu ias dizer-me: Filho, tens sempre que sentar-te e gravar o carro, e eu ia dizer que num gravei e tu ias dizer que tem que ser sempre gravado....

- Travar, Salvador, travar o carro.

- Ou isso, tavar o carro. E depois ias d'zer que é muito perigoso não tavar o carro...

- Sim, eu já percebi: estás a dar uma de Mãe com a Mãe, é isso?!?!?

- Quê? Qué d'sseste?

- Nada, só que me estavas a explicar como é perigoso não travar o carro. Travar!

- Pois é, Mãe, muito mesmo!!!

- Sim, mas agora já chega.

- Mãe, como é que se trava um carro?

- Puxas este pau preto aqui em baixo com muita força para cima e depois o carro já não anda mais.

 

A conversa parou por aqui. Achava eu.

 

Uns quilómetros mais à frente, já no cruzamento da fábrica da Coca-Cola, sai-se com esta:

- 'Tás à espera do quê p'andar: tavaste o carro e ele agora não anda?

- Não, Filho, estou à espera que não venha nenhum carro para passarmos.

- Sabes, as mulheres não sabem conduzir... - diz com um tom de desprezo.

- DESCULPA!?!?!?!? De onde é que vem essa conversa!?!?!? - Passada, eu estava mesmo passada e a tentar, mal, disfarçar.

- Daqui de trás, onde eu tou sentado.

- Mas porque é que dizes isso, quem é que ouviste a dizer isso!?!?!?

- Sou eu que tou a d'zer: 'Cês fazem as coisas assim e os carrros deitam-se; depois fazem com força, e os carros deitam-se na estrada; depois quando não gravam os carros, eles andem sozinhos....

 

Nem lhe respondi: só me faltava um machista que ainda nem 4 anos fez a achar que todos os acidentes que vê em filmes e nas estradas acontecem só com mulheres

ABC do Amor... em 3 horas

Começa às 19h45, quando estamos a sair do carro e a chegar a casa...

 

C de Cortar o Coração

 

- Mãe, depois de amanhã é o Carnaval das escolas?

- É, e vais desfilar com muitos meninos de outras escolas, com as roupas que fizeste com os meninos da tua sala!!

- E tu e o Pai vão ver-me?

- Não, Filho, não vamos poder ir ver-te...

- Mas porquê? - interrompe-me exaltado.

- Filho, a Mãe trabalha longe e o desfile é a uma hora que nem a Mãe nem o Pai vão poder ver, porque não podem sair do trabalho.

- Mas porquê, por causa do tostão para pagar tudo?

- Também, Filho, mas porque nestes dias a Mãe e o Pai não podem mesmo sair do trabalho na hora do teu desfile... - respondo desanimada.

- Mas porquê?

Fiquei sem resposta e com vontade de largar tudo.

Abracei-o.

- Desculpas a Mãe e o Pai?

- Sim, mas os outros papás vão lá estar e eu vou ficar triste.

Na hora H não vai ser assim, mas só de pensar nessa hipótese fico para morrer....

 

 

A de Aborrecido

 

- Mãe, tenho uma coisa pa d'zer-te.

A hora do banho é propícia a confissões...

- Sim, Filho?

- Hoje o meu dia foi aborrecido.

- Aborrecido, mas hoje foi dia de piscina!

- Sim, mas eu fiquei aborrecido depois de estar na piscina.

- Mas porquê?

- Porque tu e o Pai não estavam lá e eu queria que vocês tivessem e depois fossemos todos para casa.

- A Mãe vai ver-te um dia destes à piscina: faço-te uma surpresa e depois levo-te para casa!!!

- Já no próximo dia de piscina?

- Não vou dizer se não não é surpresa!!!

- Não vais d'zer porque não vais lá....

Acrescentem mais um ao C de cortar o coração

 

 

T de Ternura

 

Veio ter comigo à cozinha com uma carinha triste.

- O que foi, Salvador?

- Vim pedir desculpas, Mãe.

- Desculpas? De quê?

- Eu estava a jogar no tablet à tua espera e depois apareceu a mosca e eu encontrei-a.

- Boa!!

- Mas tu gostas tanto de encontrar a mosca, Mãe, e eu não esperei por ti....

- Não faz mal e não tens que pedir desculpa. De certeza que vão aparecer mais e depois encontramo-las juntos, está bem?

- Sim, Mãe, obrigada.

- Não tens de quê - e dei-lhe um beijinho.

- Mãe?

- Sim?

- Que 'tás a fazer?

- A aquecer as sementinhas para ficarmos quentinhos na mantinha enquanto vemos os bonecos antes de ires dormir.

Dá-me a mão, olha-me nos olhos e diz muito profundamente:

- Eu espero aqui contigo, sim?

- Sim, Filho.

E ficámos os dois, de mãos dadas, a olhar para o microondas, enquanto ele, encostado a mim, me fazia miminhos com a outra mão no meu braço.

 

 

E de Espera

 

- Já é tarde, Salvador, vamos dormir.

- Mas o Pai não saiu agora, à noite, para ir out'a vez ao trabalho?

- Sim, e não sei quando volta.

- E não vais esperar ele? - pergunta, muito indignado.

- Vou. Na nossa caminha, para ela estar quentinha quando o Pai chegar, que está muito frio.

- Boa, Mãe!!! Vamos os dois! Assim vai estar ainda mais quentinha e o Pai fica quentinho mais depressa e põe eu na minha cama!

Acrescento mais este ao T de Ternura

 

 

E, agora, às 22h45, vamos aquecer a cama para o Pai :)

(sim, ele já devia estar a dormir, mas eu hoje estou mesmo uma egoísta...)

 

O que se aprende quando se está de castigo

A conversa começou no regresso a casa mas com uns contornos um tanto ou quanto estranhos.

 

- Mãe?

- Sim?

- P’eciso contar-te uma coisa.

- Vais-me dizer que hoje estiveste de castigo?

- Sim, já d’sseste. Era isso.

- E desta vez foi porque…?

- Num sei. A Marina disse para não mexer num pau que caiu e eu mexi e depois num percebi…

- O que é que não percebeste? Porque é que ficaste de castigo?

- Não!! É que a Marina disse que o meu castigo era não ir ao karaté e eu fui.

- Mas, e depois do karaté, não ficaste mais de castigo?

- (silêncio)

- Salvador, ficaste ou não de castigo quando voltaste do karaté?

- As meninas do ballet já estavam lá no tapete quando eu cheguei…

- E?...

- E depois num lembra-se.

(Que é como quem diz: sei muito bem mas esta parte é melhor não contar)

- E tudo isso por causa de não fazeres o que a Marina diz?

- Sim…

- E foste mexer no tal pau que caiu, certo?

- Não.

- Não?!?!?!? Então que conversa toda foi esta por causa do pau e do castigo!?!?!?

- ‘ Foi nada, Mãe.

 

Não insisti. Chegámos a casa e fui dar-lhe banho.

 

Quando entro no WC, está o amigo sentado na sanita, a ter um ataque de riso.

Quando me vê, fica muito sério e cala-se.

 

- Pode-se saber porquê tanta risota? Também me quero rir! – digo, bem disposta.

- Mãe, tenho um assunto muito sério pa falar a ti.

- Estou a ouvir.

- Mãe, hoje eu andei a cuspir na sanita da escola.

- Como?!?!?!? – devia estar com o meu ar mais alucinado de sempre…

- Mãe, mas não fizemos nada de mal, era só cuspir lá pa dentro!!!

- E porque é que fizeste isso?

- Porque o Francisco chamou a mim para ensinar eu.

- Boa… - digo desconsolada – E tu foste?

- Sim! E cuspimos, cuspimos, escupimos….

- E como é que acabou essa estória?

- A Paula Gomes viu nós e nós ficámos de castigo.

- Então hoje sempre ficaste de castigo?

- Sim. Com o Francisco.

- Por andar a cuspir na sanita?

- Sim.

- E acertavas ou cuspiste a casa de banho ou o Francisco?

- Não, o Francisco é mais grande que eu e ficava só a rir e a empurrar-me…

- E o que é que aprendemos hoje quanto ao andar a cuspir para as sanitas?

- Que é muito divertido, mas que deve ser mais quando acertamos lá dentro no buraco ou mesmo na água!!!

 

Trata disso, 'tá bem!?

O Pai deu-lhe banho e eu fui despachá-lo.

 

- Mãe, posso perguntar-te uma coisa muito importante?

- Claro, Filho. Diz.

- Gostas mais de pizza ou de lasanha?

- Pizza.

- De lasanha ou de salsichas?

- Salsichas.

- De salsichas ou de melancia?

- Melancia.

- De massa ou arroz?

- Massa.

- De melancia ou maçã?

- Melancia.

- De maçã ou banana?

- Maçã.

- De carne de vaca ou de porco?

- De vaca.

 - A Avó diz que não podes comer vaca!

- Pois não, mas gosto muito.

- E de ver?

- E de ver o quê?

- Qual animal gostas mais de ver?

- Acho que a vaca...

- Não, Mãe, de todos os animais!!!

- Não tinha percebido....

- Eu gosto dos da savana.

- Já os viste no jardim zoológico.

- Mas não é aí que eu quero vê-los.

- Salvador, África é um bocadito longe, sabes?

- Não faz mal. Quero uma África aqui em casa.

- O quê?

- Quero uma savana cá em casa; Com os animais e as árvores e aquelas coisas parecem árvores secas.

- (eu, parva a olhar....)

- Trata disso, tá bem!? Eu já tou 'espachado e vou ver 'nhecos.

 

Logo hoje que eu pensava que já tinha ouvido tudo....

 

Uma coisa muito triste

O dia não foi dos melhores.

Entro em casa e ouço-o a jogar à bola na sala.

 

Vou ter com ele, que me cumprimenta efusivamente como sempre.

Começo a operação de descarregar as coisas e ele interrompe-me assim:

 

- Mãe, eu tenho uma coisa pa te d'zer.

- Diz, Filho.

- Tenho uma coisa muito triste pa te contar.

- O que foi? - pergunto eu tentando não soar alarmada.

- Eu estava aqui já há muito tempo...

- Sim?

- E depois eu já tinha sentido vontade de fazer chichi mas não fiz como d'seste, fiquei aqui a jogar à bola...

- E?

- E depois eu senti mais vontade e quando eu fiz assim (e leva as mãos à zona das cuecas) eu já tinha feito chichi nas cuecas - termina ele com ar muito contrito.

- Pois, é triste não se fazer o que as mães dizem e depois ficar com chichi nas cuecas.

- Não Mãe, não é isso.... Mas a Avó chamou eu de mijão...

- E tem razão.

- Foi só um acidente...

- ... Mas tens tido tantos ultimamente, Filho!!

- Sim, mas este é porque 'tou a treinar golos.

- Estás a querer dizer-me que ainda estás cheio de chichi????

- Num tou a d'zer nada! Mas ainda tenho as cuecas molhadas.

- Ah, isso foi agora!?!?!?

- Sim, mas não vou tomar banho. 'Esculpas, Mãe?

- Não te vou castigar, mas vais ter de tomar banho.

- Pois... Isso é que é triste, Mãe.

- Isso o quê, Salvador?

- Estarem sempre a lavar-me...

 

O sentido da vida

Estava tão cansada que nem consegui encontrar a chave de casa...

Toquei à campaínha e a minha Mãe abriu-me a porta do prédio e a de casa, avisando que não podia vir ter comigo.

 

O Salvador vem a correr ao meu encontro e dá-me um abraço tão grande que eu, que estava a abrir a caixa do correio, caí ao chão.

 

- Mãe, já chegaste. Que bom, Mãe!

- Que saudadinhas, Filho.

- Anda Mãe, qué tás a fazer aí?, anda para casa.

- Sim, vamos...

- Anda, Mãe, eu e a Avó estamos cheios de saudadinhas tuas. Anda para casa. Estávamos à tua espera.

 

O seu rosto abriu-se num sorriso, e deu-me um grande beijo.

Levantei-me do chão.

O Salvador deu-me a mão e entrámos em casa.

 

Foi quanto bastou para que a confusão do dia desaparecesse e tudo voltasse a fazer sentido. 

Há dias assim...

Cear, pa-cear!

Estava a preparar-me para ir dormir quando ele entra.

 

- Mãe, tenho fome.

- Então tens que ir pedir à Avó que te dê qualquer coisa para comeres antes de ires dormir.

- Não posso.

- Não podes? Porquê?

- A Avó ontem disse-me que à noite não se lancha...

- Sim, porque à noite ceia-se.

- Qué disseste?

- Que à noite, ceia-se.

- Qué isso?

- Cear é o que comes antes de ir ir dormir.

- Como é que se chama este lanche?

- Ceia.

- O que é que tem lá dentro?

- Do quê?

- Da ceira!

- Não é ceira, é ceia.

- Qué disseste?

- Ceia. Cei-a. O lanche da noite chama-se ceia.

- Ah... E o que é que eu posso comer?

- Podes cear o que quiseres comer. Mas vais à sala pedir à Avó que a Mãe tem que ir dormir, está bem?

- Sim...

 

Chega à sala e fica à porta.

- Avó?

- Sim?

- Tenho fome.

- E o que é que queres?

- Cear... Pa-Cear!

- Queres ir passear onde a esta hora?

- Quero pa-cear, comer, na cozinha.

- Como?

 

Não resisti e fui à sala.

 

- Diz lá à Avó o que queres...

- Diz tu, Mãe, ela não percebe-me.

- Cear, diz à Avó que queres cear.

- Mãe, e não posso só comer um iogurte dos teus?

 

(Vou-me deitar mais tarde, mas tinha mesmo que partilhar.....)

 

 

 

O céu não é para pessoas

É uma conversa que se repete.

Começou quando desistimos de tentar convencê-lo que o Baltazar - o cão dos tios e dos primos - tinha ido passar férias com os pais e nunca mais ia voltar.

Repetiu-se quando descobriu que umas das amigas do colégio não tinha pai e que outros amigos não tinham 4 avós como ele.

Quando me foi buscar ao funeral do meu grande amigo e ex-diretor, o tema voltou.

E este fim-de-semana, quando fomos buscar a Avó à Rodoviária porque ela tinha ido ao funeral do sobrinho (meu primo), era inevitável...

 

- Mãe, porque é que os avós foram para Leiria e a Avó Lela vem no autocarro?

- A Mãe já te explicou o porquê, Salvador: A Avó foi dar um abraço e beijinhos ao mano dela que está muito triste...

-... porque o filho dele morreu, não foi?

- Sim, Filho, foi isso que aconteceu.

- Ele era teu primo?

- Sim, Filho.

- Como os primos são primos de mim?

- Sim.

- E tu nunca mais vais ver ele?

- Não, Filho, não vou.

- E ele foi para onde?

- Está no Céu.

- E tu não vais ver ele lá?

- Um dia, mas se Deus quiser, só daqui a muito, muito tempo...

- E se Deus não quiser?

- Bom, aí...

- Eu posso ir ao Céu?

- Sim, num avião.

- Vês, é como eu disse-te: não há pessoas no Céu.

- Salvador, há o céu e depois há outro Céu, para onde vão as pessoas quando morrem.

- E os cães, também?

- Sim, o Baltazar também lá está.

- Mas eu já disse-te, Mãe: isso num é verdade!

- O que é que não é verdade?

- Que há pessoas e cães no céu!!!

- E porque é que não é verdade?

- Porque no céu eu já vi nuvens, aviões, pássaros e licópteros, mas nunca vi cães e pessoas!!!

- É outro Céu, atrás deste céu que tu vês.

- Um Céu longe atrás do céu?

- Sim.

- Mas se as pessoas e os cães não voam e é um Céu atrás deste céu, como é que elas vão para lá?

- Um dia a Mãe explica-te melhor...

- Amanhã?

- Sim, Filho num amanhã.

 

De preferência daqui a muito, muito, muito tempo....