Dar a volta ao texto...
- Mãe, hoje podemos contar uma história a caminho da escola?
- Sim, Filho.
- Começo eu.
- Como quiseres.
- A história vai chamar-se «a águia bebé que não sabia o caminho para casa».
- Muito bem.
- Então é assim: Era uma vez uma águia bebé pobre que não sabia o caminho para casa.
Como íamos no carro e as estradas são tão boas, mal o consegui ouvir pelo que, para ter a certeza que ia acompanhar a saga desde o início, perguntei a fim de confirmar:
- A águia era pobre?
- Sim, Mãe. Mais ou menos... (silêncio)
Olhei pelo retrovisor e ele estava com um ar estranho. O silêncio prolongava-se pelo que decidi verificar que ele me tinha ouvido:
- Filho!?!?!
- Sim, Mãe?
- A águia era pobre, certo?
Mais silêncio.
Estava com aquela cara n.º 34, aquela que faz quando está perante um dilema.
Por muito que desse a volta à cabeça, não percebia qual era o problema com a minha pergunta (eram 7h40 da manhã, dêem-me o devido desconto...).
Pouco depois cheguei lá: ele pensava que eu o estava a questionar quanto à aplicação do estado de ser pobre a um animal, que, como ele bem sabe, - porque sabe mais sobre animais que qualquer um de nós lá de casa - não têm dinheiro e, por enquanto, ele apenas reconhece a pobreza como consequência da falta de dinheiro (e ainda bem, porque quando conhecer a pobreza de espírito, enfim...)
Esperei mais um pouco e voltei à carga:
- Filho, a águia era ou não era pobre?
- Mãe, eu sei que disse que sim mas agora é não.
- Então?!!?!?
- Vou começar outra vez: Era uma vez uma águia bebé, coitadita, que não sabia o caminho para casa...
Até as lágrimas me vieram aos olhos com o esforço para não me rir!!!!
Confesso que metade da história ficou por ouvir: A isto se chama dar a volta ao texto, quando o conceito não se aplica ao contexto!!!
Claro que podia ter-lhe explicado que bastaria tão simplesmente dizer «era uma vez uma pobre águia bebé...», tal como ele ouve noutras histórias e agora tentava replicar na sua...
... Mas isso estragaria a surpresa que ele vai ter quando descobrir a quantidade de pessoas, como as que nos governam, por exemplo, que tendem a não compreender conceitos e contextos em que os aplicam, tipo confundir a estrada da Beira - que aconselho a tomarem como ponto de passagem para nos deixarem em paz - com a beira da estrada, aquele local onde, se continuarem assim, nos vão deixar a todos de mão estendida....