«Tem a certeza que está a falar do meu filho?»
Fiquei baralhada.
Nada do que a Marina - a educadora do Salvador - estava a dizer, naquela reunião de pais em meados de janeiro deste ano, me fazia sentido.
- Tem a certeza que está a falar do meu filho?? - perguntei.
- Sim, Mãe, estou a falar do Salvador.
Então não havia dúvidas, porque não há mais nenhum Salvador na sala.
Estava completamente aparvalhada!!!
Eu sabia que, fora de nós, pais, o Salvador era o perfeito exemplo da educação e da organização mas assim, era de mais para mim.
A Marina estava a falar de um ser onde eu não conseguia reconhecer um traço sequer da criatura que mora lá em casa.
- Come com faca e garfo, e de tudo - tinha começado a Marina.
- Tudo, como assim? - retorqui eu, pedindo que especificasse.
- Mãe, come tudo o que tem no prato e come de tudo: adora canja, e come arroz de polvo, lulas, legumes, incluindo alface...
Isto estava MESMO a ultrapassar-me!
Em casa o amigo quer sempre«ajuda» para comer, os talheres são sempre perdidos algures na cozinha e as únicas refeições que faz de forma completamente independente são o pequeno almoço e os lanches.
Eu, que tenho paciência com ele em tudo, tenho aqui o meu grande "calcanhar de Aquiles": não aguento as cenas dele às refeições principais e, para que as coisas não acabem mal, entrego-o ao Pai.
E escusado será dizer que já lhe aconteceu lanchar batatas com peixe ou massa com carne de tão teimoso que é ao almoço...
Às tantas, o pai da Jô, começa a rir e pergunta-me:
- Surpreendida?!? E então, no que é que está a pensar, diga lá, porque está com uma cara....
Nem eu sabia bem o que é que estava a pensar, por isso saiu-me:
- Olhe, estou a pensar se lhe dê uma tareia valente quando chegar a casa, ou se peça o chip que ele usa aqui na escola para lhe fazer um reset e instalá-lo para uso doméstico...
A risota ainda aumentou mais.
E eis que, quando eu achava que nada mais me podia surpreender...
- É geral a aquisição de maior independência nos cuidados diários: Todos lavam os dentes sozinhos, todos se vestem, despem e calçam sozinhos, apenas com umas pequenas ajudas pontuais aqui e ali, em roupa e calçado menos prático e em camisolas.
- Geral incluindo o Salvador? Ele é a excepção, certo? - insisto.
- Não Mãe, Salvador incluído.
AAAAAAAHHHHHHHHH, isto assim já era demais!!!!
Em casa ele faz de tudo uma brincadeira e vesti-lo é uma batalha campal.
Despir-se ainda é como o outro, mas vestir-se? Acaba sempre por andar todo nú pela casa e nem as meias calça....
O tema seguinte foi a integração dos novos meninos.
Ficou claro que o Salvador se dava com todos e que todos - meninos novos e os que já estavam - o adoram.
- Partilhar, Marina??? Partilhar?
- Hã... Siiimm, Mãe.... - a Marina parecia tão confusa com a minha pergunta quanto eu com a afirmação dela.
- Ele partilha?
- Sim.
- Partilha o quê, se eu não o deixo trazer brinquedos de casa porque ele diz sempre que são só dele e que não os vai emprestar a ninguém?
- Partilha as coisas com que brinca.
- Posso começar a deixá-lo trazer coisas de casa?
- Sim, porque não?, todos os meninos o fazem.
- Mas o Salvador não partilha o que é dele...
- Pode ser que assim comece a partilhar, Mãe.
No outro dia, a Cristina, mãe do Ruben, um dos melhores amiguinhos do Salvador, acabou por me confessar:
- Nunca mais me vou esquecer da tua cara naquela reunião de pais...
Acredito: Eu estava completamente atarantada.
Perplexa.
Confusa.
Depois disto tudo, tentei que fizesse em casa o que faz na escola.
Dar-lhe espaço, para além das pressas diárias para nos despacharmos e não nos atrasarmos a saír de casa ou não ficar muito tarde para ele ir dormir.
O resultado foi quase nulo, passados estes 6 meses.
Tirando que agora leva muitas vezes brinquedos para a escola e sim, os amiguinhos confirmam que ele os partilha.
Mas, depois penso: ele não vai querer ser bebé para todo o sempre, e a verdade é que eu não o trato como um bebé.
Ele tornar-se-á independente nestas tarefas, em ambiente doméstico, quando assim o entender.
É certo que nada fazemos para incentivar os comportamentos abebezados, mas reconhecemos que fazemos muitas coisas que não devíamos, devido às pressão do tempo no nosso dia-a-dia.
Afinal de contas, quem é que aguenta estar 3 horas com ele à mesa, ao final de um extenuante dia de trabalho, para que coma uma simples peça de fruta?!?!
É de loucos!!!!
Mas ouvir aquela descrição também: Senti-me a mãe de um Alien... O que mora cá em casa, claro, porque o que coexiste no corpo do Salvador na escola deve ser bem mais fácil de lidar...