... e vários filmes!!! Num elenco de luxo, temos como protagonista Salvador, nascido a 28.04.2010, em cenários da vida quotidiana. Registado no nosso dia-a-dia, por isso aconselha-se alguma prudência quando imaginar as cenas descritas: são bem reais..
... e vários filmes!!! Num elenco de luxo, temos como protagonista Salvador, nascido a 28.04.2010, em cenários da vida quotidiana. Registado no nosso dia-a-dia, por isso aconselha-se alguma prudência quando imaginar as cenas descritas: são bem reais..
Os dentes do Salvador nasceram tarde. Muito tarde.
O primeiro veio aos 16 meses.
O Salvador só usava chucha para dormir. Mas na altura em que era suposto tirar-lha começou a ansiar sofregamente por ela e a querer andar a chuchar sempre e em todo o lado.
Levei-o à consulta de rotina dos 2 anos e meio e expliquei ao pediatra que a chucha se estava a tornar um problema. Pedi-lhe se ele não podia conversar com o Salvador, aproveitando ele ser um vaidosão para lhe falar dos malefícios da chupeta nos dentes.
A conversa foi mais ou menos assim:
- Então, Salvador, ouvi dizer que é o menino mais bonito da sua sala.
- É. Sou.
- Mas olha que vai deixar de ser...
- Porquê?
- Porque os meninos que usam chucha ficam com os dentes tortos; os dentes tortos são os dentes mais feios que existem e depois vai passar a ser um menino feio.
- Então... Vou ficar com os dentes feios?
- Os dentes mais feios de todos os meninos da sua sala.
A coisa ficou por aqui.
Saí, paguei e fomos para o carro.
Assim que se sentou, pediu a chucha e eu dei-lha.
- Mã?
- Sim Filho?
- Eu vai ficar feio por causa da chucha?
- Vais. Vais deixar de ser o menino mais bonito da sala e ter uns dentes muito, muito feios.
- Mã?
- Sim?
- Toma chucha e deita ela fora.
- Tens a certeza?
- Sim.
Peguei na chucha e, enquanto com uma mão abri a janela do carro, com a outra escondia-a no bolso, não fosse correr mal na hora de dormir.
Fingi que a atirava fora e disse-lhe:
- Já está, Salvador. Acabou-se a chucha.
- E eu vou ser bonito para sempre... - respondeu para o ar.
Chegámos a casa e deu a notícia ao Pai: já não usava chucha e ia ser bonito para sempre.
Nessa noite não a pediu.
Nem no dia seguinte na escola, nem na noite seguinte.
Duas noites depois acordou de madrugada e chamou-me:
- Mã, a chucha. Eu perdeu a chucha.... - explica-me ensonado.
- Não, Filho, não te lembras que já não usas chucha? - pergunto-lhe baixinho.
- Ah, pois é, pois é... - replica, acrescentando quase imperceptivelmente - E vou ser bonito para sempre...
Sim, ele é precoce, mas daí a filosofar e apresentar-me um silogismo demonstrativo, confrontando-me com questões existenciais com apenas 2 anos e sete meses é demais para qualquer um...
Estávamos em Novembro de 2012 e ele estava a aprender as estações do ano na escola.
O Pai prometeu-lhe que, apesar de não haver neve onde moramos - por norma... - um dia o levaríamos a ver a neve.
Fui deitá-lo e ele estava extremamente cansado.
- Mãe, quando temos férias?
- No Inverno, Filho, no Natal.
- Não é no Natal que há neve?
- É.
- E não podemos ficar já de férias, Mãe?
- Não, Filho, não podemos.
- Porquê, Mãe?? Eu queria nós ficássemos juntos em casa.
- Pois, Salvador, mas a Mãe e o Pai não podem ficar em casa: Têm de trabalhar para ganhar tostão.
- E depois temos férias só no Inverno...
- É isso mesmo.
- E no Inverno há neve...
- Sim.
- Então, nas férias podem levar eu a ver a neve?
- Não pode ser, Filho.
- Mas porquê? - pergunta em tom desesperado, como quem está a pensar «esta conversa não está nada a correr bem para o meu lado»...
- Porque a Mãe e o Pai não têm tostão para te levar a fazer férias na neve.
- Mão, o qué isso tens na mão? - pergunta ele, enquanto afaga a minha cicatriz.
- Foi um dodói que a Mãe fez, mas já passou.
- Foi o quê?
- Quando eras pequenino, e ainda mal sabias andar, vieste ter com a Mãe quando estava a passar a ferro. Foste contra a tábua e o ferro abanou e então, para ele não cair em cima de ti, a Mãe pôs a mão e queimou-se - concluo.
- Isso foi quando fomos ao 'spital e um bicho picou a ti no pé e ele ficou muito grande?
- Não, Filho, dessa vez quem se queimou foi o Pai e nós ficámos na rua à espera dele.
(Gostava de saber como é que ele se consegue lembrar com tanto pormenor de uma coisa que aconteceu ainda ele nem sequer tinha um ano e meio.... Estas cabecinhas são mistérios insondáveis!)
- Eu já queimou-se também?
- Não Filho, e ainda bem porque dói muuuuuuiiiitoo!!! Por isso é que a Mãe e o Pai te estão sempre a avisar que não se mexe em coisas quentes.
- E 'pois?
- E depois o quê?
- O que aconteceu na tua mão?!?!?
- Fez uma bolha muito grande, a bolha rebentou, depois fez um buraco e agora está assim, só um bocadito escuro.
- Ah... E o buraco?
- Desapareceu.
- Era um dodói?
- Era, mas agora já está bom.
- E foi p'a onde?
- Como?
- P'a onde foi o dodói?
- Desapareceu.
- P'a onde?
- Para lado nenhum, Filho. Ficou bom e pronto.
- E 'pois de bom foi p'a onde? - insiste.
- Olha para a tua mão - peço.
- Qué foi, ' que'la tem?
- Diz-me tu.
- Tem nada.
- E quando tu caíste de bicicleta o que ela tinha?
- Um dodói.
- E agora?
- Tu p'seste uma pomada e ela ficou boa.
- Isso mesmo!!
- 'Tou a peceber. Mas quem levou o dodói?
- Ninguém, Salvador, são as coisas boas do sangue que trabalharam muito depressa para o dodói ficar bom.
- E levaram ele p'a onde?
- Quem?
- O dodói. P'a onde foi o dodói?
- Desapareceu, como magia das fadas boas do sangue.
- Oh, que bom, Mãe!!!
- É, não é? - pergunto, aliviada pela saga ter acabado.
- Mãe?
- Sim, Filho?
- E para onde as fadas levam os dodóis?
- Eles desaparecem dentro de nós.
- Temos um sitio p'a eles irem?
- Não - respondo peremptoriamente antes que me pergunte onde é esse lugar.
- E eu posso ver as fadas boas do sangue?
- Não.
- Porquê?
- Porque elas são um segredo que não se vê.
- Então como sabes que elas 'tão lá?
- Mas nós não viemos para aqui para eu te deitar?
- Sim, mas eu quero tanto saber para onde vão os dodóis....
- Muito bem, amanhã vemos isso.
- P'ometes?
- Sim, Filho.
Felizmente, no outro, dia não se lembrou, porque estas conversas são autênticas pescadinhas de rabo na boca...
Isto de morar longe da família e da maioria dos amigos começou a revelar consequências nefastas no Salvador tinha ele uns 2 anos e meio.
Cada vez que tocavam à campainha a reação dele, independentemente da hora, era sempre a mesma: saía a correr para a porta de casa enquanto gritava «É o home da pizza!!!! HEI!!!!»
Hoje em dia já pergunta: «Quem é, Mãe: o senhor da pizza, o da MEO ou o da ZON?»
Das duas uma: ou arranjamos uma vida social ou desligamos a campaínha e acabaram-se as pizzas ao domicílio...