... e vários filmes!!! Num elenco de luxo, temos como protagonista Salvador, nascido a 28.04.2010, em cenários da vida quotidiana. Registado no nosso dia-a-dia, por isso aconselha-se alguma prudência quando imaginar as cenas descritas: são bem reais..
... e vários filmes!!! Num elenco de luxo, temos como protagonista Salvador, nascido a 28.04.2010, em cenários da vida quotidiana. Registado no nosso dia-a-dia, por isso aconselha-se alguma prudência quando imaginar as cenas descritas: são bem reais..
- Amanhã era o dia ideal para ficarmos em casa a dormir até nos caírem 3 pernas…. – Digo eu, enquanto mergulho mais uma bolacha Maria no leite.
- Podes crer, Mãe!!
- Diz o menino – interrompo eu abruptamente – que, assim que lhe «cheira» que o Pai está levantado, vem logo a correr ter com ele para ficar a ver desenhos animados – respondo desdenhosamente.
O Pai é detentor de um relógio biológico infalível: às 7 da manhã está acordado e levanta-se, seja que dia da semana for. O Filho, que ao fim de semana bem podia aproveitar para ficar a dormir mais um bocadinho, acorda pouco depois e, assim que o vê no andar debaixo, corre a juntar-se-lhe…
- Quem diria… - começa ele, com uma expressão entre o admirado e o resignado…
- Quem diria o quê? – Questiono.
- Que conheces-me… que me conheces tão bem, Mãe. – Termina ele autocorrigindo-se.
- É normal, filhote, eu sou tua Mãe. Não há ninguém que conheça melhor os filhos que a Mãe: afinal, fui eu que te pari depois de 9 meses a cresceres na minha barriga…
- É verdade, Mãe….
(Sim, sim, para grande desgosto de alguns, quando falo com o meu filho “chamo o boi pelos nomes”: se fui para uma sala de parto na hora dele nascer, fui parir e não celebrar um contrato de fornecimento de energia elétrica com o obstetra para que me ajudasse a dar à luz….)
No final desta conversa fiquei meia azamboada: parecia que estava a falar com um adolescente. Há cada vez mais situações em que tenho que olhar duas vezes para esta criança para me certificar do tamanho e idade que ela tem.
Se bem que, a julgar pelo tamanho, a minha vizinha da frente ia jurar que ele tinha 7 anos e não percebia porque é que ele não andava na rua a brincar com os outros meninos… Talvez porque ainda é demasiado infantil para eles…. Quem diria…
- E então Filho, como foi o teu dia: brincaste muito na piscina?
- Sim.
- E deste muitos mergulhos?
- Só dois.
- E brincaste sozinho?
- Não, brincou com uns meninos que lá estavam – responde a Avó.
- Ah sim?! Olha que bom! E como é que se chamam os meninos?
- Num sei.
- E moram aqui no condomínio?
- Num sei.
- Não sabes, como? Se amanhã os vires outra vez, como é que os chamas?
- (resposta: um encolher de ombros)
- Salvador, quando começamos a brincar com outros meninos, que não conhecemos, a primeira coisa que se faz é perguntar como é que se chamam, para os podermos tratar pelo nome – explico-lhe.
- Percebeste, Filho? – insiste o Pai – da próxima vez perguntas como é que se chamam, para saberes e poderes chamar os meninos pelo nome.
- (resposta: encolher de ombros e um silêncio meio prolongado)
- Ele está assim – começa a Avó a explicar – porque na verdade, como ele não sai da piscina pequena, não brincou muito com eles. Até a menina, que era mais pequena que ele, estava sempre a atirar-se para a piscina maior. – conclui.
- Ainda assim, Filho – replico – não faz mal andar na piscina pequena. Até é preferível, já que tu e a Avó não sabem nadar. Mas é bom saber os nomes dos meninos com quem se brinca.
- Para quê?
Enfim, não vale a pena insistir quando pela cara dele se vê que está telhado que nem um urso com a inconfidência da Avó….
Sim, ele é precoce, mas daí a filosofar e apresentar-me um silogismo demonstrativo, confrontando-me com questões existenciais com apenas 2 anos e sete meses é demais para qualquer um...
Estávamos em Novembro de 2012 e ele estava a aprender as estações do ano na escola.
O Pai prometeu-lhe que, apesar de não haver neve onde moramos - por norma... - um dia o levaríamos a ver a neve.
Fui deitá-lo e ele estava extremamente cansado.
- Mãe, quando temos férias?
- No Inverno, Filho, no Natal.
- Não é no Natal que há neve?
- É.
- E não podemos ficar já de férias, Mãe?
- Não, Filho, não podemos.
- Porquê, Mãe?? Eu queria nós ficássemos juntos em casa.
- Pois, Salvador, mas a Mãe e o Pai não podem ficar em casa: Têm de trabalhar para ganhar tostão.
- E depois temos férias só no Inverno...
- É isso mesmo.
- E no Inverno há neve...
- Sim.
- Então, nas férias podem levar eu a ver a neve?
- Não pode ser, Filho.
- Mas porquê? - pergunta em tom desesperado, como quem está a pensar «esta conversa não está nada a correr bem para o meu lado»...
- Porque a Mãe e o Pai não têm tostão para te levar a fazer férias na neve.
- Mãe, amanhã vou à escola. ‘Tou cheio saudades dos meus amigos, já não vejo eles há muito tempo.
- É verdade, mas para ires para a escola amanhã, tens que te deitar cedo porque tens que te levantar muito cedo para a Mãe te levar.
- Muito cedo, como assim?
- Tens que te deitar antes do «Beijo do Escorpião» (só percebe horários se lhe falarmos em períodos telenovelescos….) e levantares-te quando o Pai e a Mãe. Mas porque é que queres ir para a escola se podes ficar em casa com a Avó e deitar-te e levantar-te quando bem vos apetecer? Olha que quando a Avó for embora e começares a ir à escola, é todos os dias deitar cedo e levantar cedo….
- E se eu deitar-me depois do «Belmonte» e for à escola?
- O «Belmonte» acaba muito tarde, depois vais acordar cheio de sono, vais demorar muito tempo a despachar-te e ainda por cima vais para a escola cheio de sono. Não pode ser: ou é antes do «Beijo do Escorpião» ou ficas em casa com a Avó.
- E tu num vais ver o «Belmonte»?
- Não, eu vou dormir, que tenho que acordar cedo para ir trabalhar…
- Mas, Mãe – interrompe ele – são os últimos episódios!!! Temos que ver!!!
- Eu não tenho que ver nada e tu se queres ir para a escola ao invés de continuares de férias com a Avó, também não vais ver.
- OK, eu fico com a Avó…. Mas acho que devias ver o «Belmonte»!!! ‘Pois eu conto-te, se tu quiseres mesmo ir dormir…. Mas olha, são os últimos episódios e ‘pois tu não sabes como acaba!!!
Acaba sempre da mesma maneira: como ele a comer na cozinha, a ir lavar os dentes e a deitar-se às tantas da noite para acordar no dia seguinte por volta da hora de almoço.
Mas deixá-lo. Já bem basta o resto do ano em que não tem a Avó para poder fazer estas noites telenoveleiras….
- Mão, o qué isso tens na mão? - pergunta ele, enquanto afaga a minha cicatriz.
- Foi um dodói que a Mãe fez, mas já passou.
- Foi o quê?
- Quando eras pequenino, e ainda mal sabias andar, vieste ter com a Mãe quando estava a passar a ferro. Foste contra a tábua e o ferro abanou e então, para ele não cair em cima de ti, a Mãe pôs a mão e queimou-se - concluo.
- Isso foi quando fomos ao 'spital e um bicho picou a ti no pé e ele ficou muito grande?
- Não, Filho, dessa vez quem se queimou foi o Pai e nós ficámos na rua à espera dele.
(Gostava de saber como é que ele se consegue lembrar com tanto pormenor de uma coisa que aconteceu ainda ele nem sequer tinha um ano e meio.... Estas cabecinhas são mistérios insondáveis!)
- Eu já queimou-se também?
- Não Filho, e ainda bem porque dói muuuuuuiiiitoo!!! Por isso é que a Mãe e o Pai te estão sempre a avisar que não se mexe em coisas quentes.
- E 'pois?
- E depois o quê?
- O que aconteceu na tua mão?!?!?
- Fez uma bolha muito grande, a bolha rebentou, depois fez um buraco e agora está assim, só um bocadito escuro.
- Ah... E o buraco?
- Desapareceu.
- Era um dodói?
- Era, mas agora já está bom.
- E foi p'a onde?
- Como?
- P'a onde foi o dodói?
- Desapareceu.
- P'a onde?
- Para lado nenhum, Filho. Ficou bom e pronto.
- E 'pois de bom foi p'a onde? - insiste.
- Olha para a tua mão - peço.
- Qué foi, ' que'la tem?
- Diz-me tu.
- Tem nada.
- E quando tu caíste de bicicleta o que ela tinha?
- Um dodói.
- E agora?
- Tu p'seste uma pomada e ela ficou boa.
- Isso mesmo!!
- 'Tou a peceber. Mas quem levou o dodói?
- Ninguém, Salvador, são as coisas boas do sangue que trabalharam muito depressa para o dodói ficar bom.
- E levaram ele p'a onde?
- Quem?
- O dodói. P'a onde foi o dodói?
- Desapareceu, como magia das fadas boas do sangue.
- Oh, que bom, Mãe!!!
- É, não é? - pergunto, aliviada pela saga ter acabado.
- Mãe?
- Sim, Filho?
- E para onde as fadas levam os dodóis?
- Eles desaparecem dentro de nós.
- Temos um sitio p'a eles irem?
- Não - respondo peremptoriamente antes que me pergunte onde é esse lugar.
- E eu posso ver as fadas boas do sangue?
- Não.
- Porquê?
- Porque elas são um segredo que não se vê.
- Então como sabes que elas 'tão lá?
- Mas nós não viemos para aqui para eu te deitar?
- Sim, mas eu quero tanto saber para onde vão os dodóis....
- Muito bem, amanhã vemos isso.
- P'ometes?
- Sim, Filho.
Felizmente, no outro, dia não se lembrou, porque estas conversas são autênticas pescadinhas de rabo na boca...
Cenário da noite: Com o Pai ausente, Filho e Mãe deitam-se juntos na cama dos pais.
E cedo, para compensar a noitada de «Tubarões».
Cada um com o seu tablet, para dar aquele toque de «Não, o pessoal não foi dormir assim que acabou de jantar», ficámos, lado a lado, cada um na sua vidinha.
Cena 1:
- Mãe, quando é que vamos dormir?
- Quando eu disser: a Mãe sou eu, ontem deitámo-nos tarde e hoje não é para estarmos acordados muito tempo - esclareço para que não haja margem para dúvidas.
- Estááá beeeemmmm... - replica ele.
E logo de seguida:
- Mãe, pode-se saber porque é que estás com essa cara?
- Estou com sono, a bateria do tablet está quase a acabar e, quando isso acontecer, vamos dormir - resmungo, preocupada porque o Pai ainda não deu notícias.
- Huum, acho que 'tás a mentir a mim - diz ele sem tirar os olhos de uma versão natalícia do Bubble.
- Não, Filho, não estou. É só porque não estou a conseguir jogar como deve ser e estou irritada - invento - Desculpa, Filho.
- Podes até mandar a gente dormir, porque és a Mãe - começa ele - mas esse jogo é de crianças e, como eu sou A criança, quem manda nisso sou eu.
- Hã??? - pasmo.
- Sim - afirma ele convicto - Vais parar de jogar, pões o tablet a carregar p'a poderes trabalhar amanhã e desligas tudo que estás com uns olhos cansados de sono.
Cena 2:
- Mãe, fizeste o que eu mandei-te? - questiona em tom autoritário.
- Sim, Salvador: o tablet está a carregar e nós já estamos de luz apagada para dormir.
5 segundos de silêncio, numa voz doce:
- Mãe, tu 'tás preocupada com o Papá?
- Não Filho, estou só com saudades.... - minto pela segunda vez em menos de 10 minutos.
- Mãe, num preocupas-te, está bem?: eu estou aqui, sou o homem da casa e vou cuidar de ti. Chega p'áqui qu'eu faz-te festinhas na cabeça p'a tu dormires.
Cena 3:
- Mãe, importaste de desligar o telemóvel??
- Mas tu não estavas a dormir!!?!?
- Eu estava mas 'pois mexeste no teu telemóvel, com essas luzes todas, e eu agora acordei. Não achas que já é tarde??? - resmunga.
- Tens razão, Filho, mas estava só a mandar uma mensagem ao Papá para ver se ele já tinha chegado.
- E chegou?
- Sim, Filho, já chegou.
- Ele está bem?
- Sim, Filho, está, fica descansado.
- Eu ficava, Mãe, mas para isso deixa o telemóvel na mesa e dorme p'a eu dormir, que amanhã temos que acordar cedo para o trabalho e para a escola, certo?
- Certo, Salvador, certo....
Sempre foi minha convicção que haveria uma altura em que teriam de ser os filhos a pôr os pais na linha.
Nunca pensei que chegasse a vê-la, quanto mais a vivê-la.
E muito menos nas mãos de um pirralho de 4 anos...
Salvador completamente a «fritar», mais parecia que tinha enfiado os dedos numa tomada elétrica.
- Mãe, porque é que a Avó Lu e o Avô Jorge vão embora?
- Porque têm que ir ao senhor doutor.
- E pode vir a Avó Lela e o Avô Quim?
- Não, Filho, agora não podem.
- Mas eu tenho saudades deles.
- Eu sei, Filho, eu também tenho mas não pode ser, os avós não podem andar sempre cá e lá.
(1,5 segundos de silêncio depois....)
- Mãe?
- Sim?
- Eu também tenho muitas saudades tuas. Podes não ir trabalhar e ficamos os dois sempre em casa?
- Não, Filho, não posso deixar de trabalhar, a Mãe já te explicou porquê.
- Para não ficarmos pobres e sem casa?
- Sim, para nunca ficarmos pobres e sem tostão para comer.
- E eu também vou ter que começar a trabalhar?
- Não!!!
(Porque é que eu ainda não fui capaz de lhe explicar convincentemente que ele não vai receber salário por se apresentar todos os dias no colégio?!?!?!?)
- É por isso -continuo eu - que não podemos ficar em casa: tu tens que ir crescendo, tens que ir à escola e tens que ir vendo, entre todas as coisas giras que aprendes, o que queres fazer quando fores grande para trabalhares e ganhares tostão.
- Mãe, mas eu já sei !!! – diz num tom como se eu fosse uma verdadeira atrasada mental - Quero ser veterinário de elefantes, girafas e zebras.
- Então… Ou vais trabalhar no Jardim Zoológico ou em África.
- África é muito longe e eu depois choro com saudades vossas.
- Pois, mas esses animais não são domésticos e não existem por aí.
(2 segundos de silêncio depois...)
- E tu, Mãe, o que é que queres ser quando fores grande?
(Ainda não percebeu que, além de me estar sempre a dizer que estou a ficar velha, também já sou «grande»…)
- Quero ser escritora; escrever estórias para ti e sobre ti.
- Mãe, então quando chegares lá diz-me que eu já não vou ser veterinário.
- Então vais ser o quê?
- Vou ser contador de histórias: vou ler as histórias que tu escreves aos outros meninos. Só tenho que aprender a ler primeiro, tá bem?
- OK… (Comovida até à raiz mais profunda dos cabelos)
- Mãe, podes começar já a escrever?
- O quê? (mas no sentido de WHAT?!?!?!?)
- Uma história do Gato das Botas ou parecida, mas sem monstros; Outra só de monstros; Outra de…
- Filho… Dorme, está bem? Foi para isso que viemos para a cama…
(Se é para ser um pau mandado deste mono-democrata e só escrever o que me encomendar... Prefiro ficar apenas por manter este blog e nunca «chegar lá!! ;) )
Entrei na sala e ele estava com os Avós e o Pai e, ao contrário do que é normal, não me veio cumprimentar.
Olhei mais atentamente.
Pensamento n.º 1: Ele tem sangue na gola da camisola!
Pensamento n.º 2: Desta vez não estás queimada, tens mesmo os miolos fritos, pá!!
- Salvador, não vens dar um beijinho à Mãe?
Aproximou-se lentamente.
Constatação de facto n.º 1: Ele tem um penso no queixo!!
Constatação de facto n.º 2: É mesmo sangue na gola da camisola!!!
(AAAAAAAAHHHHHHHHH!!! Pânico!!!!)
- Filho, o que é isso no queixo?
Silêncio.
Foi a Avó que contou que, enquanto ela lavava os dentes, ele, nas costas dela, debruçou-se para chegar ao outro lado da banheira, pegou na minha gillette e abriu um corte no queixo.
Drama de faca e alguidar, claro, que o amigo adora sangue, mas dele nem vê-lo...
Estava tão constrangido que nem insisti no tema.
Quando o fui deitar, então sim, abordei a questão:
- Filho, dói-te o queixo?
- Sim, Mãe. Vou dormir com o penso?
- É mellhor... Para não abrires o corte.
- Pois é...
- Filho?
- Sim, Mãe?
- Em que é que estavas a pensar quando fizeste isso com a gillette da Mãe?
- Eu pensei: eu vai fazer a barba!
- Mas não tens pêlos, Filho!!!
- Foi por isso que eu cortou-se?
- Sim. Por isso e porque não se mexe nas coisas do Pai e da Mãe.
- Tu fazes a barba com aquilo?
- Não Filho, a Mãe não tem barba.
- E o Pai faz com quê?
- Com a máquina.
- Ah, devia ter feito com máquina; aquela tua coisa é para meninas...